Dispõe sobre a detecção precoce do câncer hereditário de mama e ovários no âmbito do Município de Três Corações.
Art. 1º O Município de Três Corações, por meio de seu sistema público de saúde, disponibilizará o acesso a aconselhamento genético com profissional especializado e, se necessário, a realização de teste genético para investigar a presença de mutações genéticas em genes de predisposição ao câncer de mama e ovários.
Parágrafo único. O encaminhamento para o cumprimento do que determina o caput, poderá ser feito sempre que a paciente, assistida no sistema público de saúde do Município, apresentar características que indicam possibilidade de alteração genética.
Art. 2º São critérios que indicam a necessidade de pesquisa oncogenética a ocorrência familiar de:
I – dois ou mais parentes de primeiro grau que desenvolveram câncer de mama e/ou ovário;
II – duas pessoas com essa(s) doença(s) do mesmo lado da família (do pai ou da mãe), uma delas com menos de 50 anos de idade;
III – parente de primeiro ou segundo grau que apresentou câncer de mama ou ovário com idade abaixo dos 40 anos de idade;
IV – câncer em ambas as mamas na mesma mulher;
V – câncer de mama e ovário na mesma mulher ou na mesma família;
VI – múltiplos cânceres de mama na mesma mulher;
VII – dois ou mais membros da mesma família com câncer e com BRCA1 ou BRCA2 (genes que produzem proteínas supressoras de tumor e que codificam as proteínas que funcionam no processo de reparação do DNA, sendo que sua mutação é que está correlacionada com o aparecimento do câncer), mutados;
VIII – casos de câncer de mama em homem da mesma família;
IX – fenômeno da antecipação, ou seja, o aparecimento mais precoce a cada geração;
X – descendência de judeus Ashkenazi com história de câncer de mama/ovário.
Art. 3º Concluída a avaliação oncogenética, todas as mulheres com mutações genéticas, especialmente nos genes BRCA1 e BRCA2, deverão ser orientadas sobre as seguintes possibilidades:
I – realizar cirurgia de remoção das trompas e dos ovários (salpingooforectomia bilateral redutora de risco – SORR), sendo que o elevado risco de câncer nesses órgãos e a ausência de exames de rastreamento eficazes faz com que essa medida seja fundamental entre os 35-40 anos para mulheres com mutação em BRCA1, e entre os 40-45 anos para portadoras de mutação em BRCA2;
II – realizar a mastectomia (retirada completa da mama por meio de cirurgia), medida definitiva e extremamente eficaz na redução do risco de câncer de mama nessas mulheres, as quais, dado o alto risco de desenvolvimento da doença, possuem indicação embasada cientificamente para sua realização;
III – quimioprofilaxia, proporcionada por terapias antiestrogênicas com drogas, como o tamoxifeno, o raloxifeno e os inibidores de aromatase, que variam em função da mutação apresentada;
IV – outras possibilidades.
§ 1º A decisão e a escolha do melhor momento para realizar a mastectomia deve abordar uma discussão sobre o grau de proteção, as opções de reconstrução e os riscos da paciente. Além disso, a história familiar, o risco residual de câncer de mama baseado na idade e a expectativa de vida de cada paciente também devem ser considerados;
§ 2º Com relação ao risco de câncer de mama, o rastreamento deve se iniciar desde os 25 anos de idade, ocorrendo de forma semestral (duas vezes ao ano) com mastologista. Portadoras de mutação em BRCA1/2 devem obrigatoriamente ter incluído no seu rastreamento, além da mamografia e/ou ultrassonografia mamária, a realização de ressonância magnética de mamas, anualmente, desde os 25 anos. Isso deve ser mantido até a decisão de realizar a retirada preventiva de mamas (mastectomia redutora de risco bilateral).
Art. 4º Todos os direitos legalmente conferidos aos portadores de cânceres, tendo por premissa o direito constitucional de acesso à saúde integral, devem ser respeitados, em especial os direitos preconizados pela Lei Federal nº 14.450, de 21 de setembro de 2022, que criou o programa nacional de navegação de pacientes para pessoas com neoplasia maligna de mama.
Art. 5º O Poder Executivo Municipal está autorizado a firmar parcerias e convênios com organizações não governamentais, parcerias público-privadas, entidades assistenciais e de saúde, órgãos governamentais, estabelecimentos de saúde, instituições educacionais, empresas, cooperativas, sociedades beneficentes, e outros, para o devido cumprimento do que determina essa Lei.
Art. 6º As despesas decorrentes da aplicação desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 7º O Poder Executivo Municipal poderá regulamentar esta Lei, no que couber, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias a contar da data de sua publicação.
Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, nos termos do art. 174 da Lei Orgânica Municipal.
Complemento
Justificativa:
A presente proposição determina que o Município de Três Corações, por meio de seu sistema público de saúde, disponibilizará o acesso a aconselhamento genético com profissional especializado e, se necessário, a realização de teste genético para investigar a presença de mutações genéticas em genes de predisposição ao câncer de mama e ovários.
O câncer é uma doença que ocorre devido à multiplicação anômala de células. Células são os pequenos pedaços de matéria orgânica que compõem tudo o que faz parte do nosso corpo: ossos, órgãos, pele, veias, pelos e todo o resto. Elas são vivas e estão em constante renovação, realizando cópias idênticas de si mesmas, processo chamado de divisão celular. A divisão celular não é ruim: pelo contrário, ela é fundamental para repor células antigas e manter o nosso corpo funcionando adequadamente. O problema é que, às vezes, ocorre um erro no momento em que uma célula é copiada. Chamamos esse defeito de mutação. A célula com mutação se comporta de forma diferente das outras: seu ritmo de multiplicação é muito maior, o que dá origem a mais e mais células defeituosas. Com o tempo, elas se acumulam e formam caroços – os famosos tumores. Todo esse processo de multiplicação anormal é chamado de câncer ou carcinoma.
Existem diversos fatores que influenciam na ocorrência de carcinoma. Na maior parte das vezes ele surge ao acaso, isto é, de forma esporádica, devido à idade ou a fatores ambientais. Nesses casos, ele se deve a uma mutação genética (ou variante genética patogênica) presente somente nas células tumorais – é, assim, chamada de somática. As demais células do corpo não possuem essa alteração no DNA. Entre 5-10% das mulheres que desenvolvem câncer de mama e em mais de 25% das que desenvolvem câncer de ovário, porém, a causa do carcinoma é hereditária: a paciente herdou uma mutação genética de um de seus pais que aumenta significativamente o risco de aparecimento de tumores. Essa mutação está presente não apenas nas células tumorais, mas em todas as células do corpo – é, assim, chamada de germinativa. Por isso, pode ser verificada por meio de um exame de sangue ou saliva.
O câncer hereditário depende da saúde dos genes. Gene é um pedaço de DNA herdado dos pais, que contém instruções para as nossas células. Se utilizarmos uma metáfora da gastronomia, podemos dizer que o DNA é a receita do nosso organismo, e os genes são os ingredientes para a preparação dessa receita. Se houver algum problema com um de nossos genes, a célula não saberá desempenhar as suas funções.
Existem dois genes muito importantes para o controle da divisão das células mamárias: o BRCA1 e o BRCA2. Ambos têm a função de reparar erros no DNA celular. Quando uma célula mamária nasce com defeito, esses genes perspicazes irão consertá-la. Assim, ao identificarem uma célula anômala, os genes BRCA1 e BRCA2 reparam o seu DNA antes que ela origine um câncer. O problema é que nem todo mundo possui genes BRCA 1 e 2 saudáveis. Sem eles, não há reparação das células mamárias defeituosas. É como se faltasse uma página no manual de instruções das células, justamente aquela que ensina como consertar o DNA. Com BRCA inativo, o risco de desenvolver câncer de mama e ovários aumenta significativamente.
Se houver suspeita de câncer hereditário, é recomendável buscar aconselhamento genético com um geneticista. Esse especialista avalia o histórico médico da paciente e das três últimas gerações da sua família e pode recomendar a realização de um teste genético para investigar a presença de mutações genéticas em genes de predisposição ao câncer, entre eles o BRCA1 e BRCA2. O encaminhamento ao geneticista é feito sempre que a paciente apresenta características que indicam possibilidade de alteração genética. O geneticista pode, então, solicitar a testagem genética da paciente por meio de coleta de sangue ou saliva.
Notório e exemplar é o caso da atriz Angelina Jolie que, portadora de mutação no gene BRCA1, foi diagnosticada com 87% de chances de desenvolver câncer de mama antes dos 50 anos. Por ser uma condição hereditária, a atriz que havia visto outras pessoas de sua família, mãe, avó e tia morrerem de câncer, realizou uma mastectomia bilateral em 2013, e dois anos depois retirou as trompas e os ovários. Símbolo da beleza feminina, a atriz declarou que as cirurgias não fizeram com que ela se sentisse menos mulher.
Mais importante é ressaltar que a realização de testes genéticos é devida pelos planos de saúde suplementar quando indicados, mas não pelo sistema único de saúde (SUS). Como é nosso dever criar soluções legislativas e executivas para os mais vulneráveis, carentes, essa proposição objetiva suprir essa necessidade, pelo que peço sua aprovação pelos nobres que perfazem essa Casa de Leis.