Antigamente havia, nas salas dos católicos, um pequeno altar
onde as famílias se reuniam e faziam suas orações. Claro, eram quase sempre orações para pedir alguma coisa já que, como bons brasileiros, não nos importamos muito em agradecer.
Com o passar do tempo o altar deu lugar à TV, deixamos as orações para mais tarde ou para quando precisamos de algum favor.
E não foi só o altar que mudou, mas também a posição de alguns santos na seleção do imaginário coletivo. Antigamente Santo
Antônio estava em todas as seleções. Era o mais invocado pelos fiéis e, principalmente, pelas fiéis casamenteiras. Coisa natural, já que vivíamos numa época em que o casamento era a aspiração máxima das mulheres e para as que não o conseguiam, ou não o desejavam, criaram até um palavrão: “solteirona”. E olha que a mulher tinha que se casar jovem, com, no máximo, 20 anos. Com trinta já era encalhada.
Como ninguém sabia o que era pedofilia as preferidas de quase
todos os homens eram os “brotinhos”, como eram chamadas as adolescentes de então. Que o diga Francisco Carlos, que até o fim de sua carreira ficou marcado pela gravação carnavalesca de… “Ai, ai, brotinho/não cresça meu brotinho, nem murche como a flor./Ai, ai
brotinho/eu sou um galho velho/mas quero seu amor.”
Mas havia também os que faziam contraponto e criaram a expressão balzaquiana (clara referência ao personagem de Balzac) e diziam preferir mulheres mais velhas, “mais experientes”(?) e também abriam o peito no carnaval:
“Não quero broto/não quero, não quero não/não sou garoto pra viver nessa ilusão/sete dias na semana/eu prefiro ver minha balzaquiana!”
Mas como gosto não se discute, voltemos aos santos, cuja
preferência também não se discute.
Hoje, com o crédito fácil (e pagamento difícil), Santo Antonio
perdeu a posição para Santa Edwiges, a padroeira dos endividados e para Santo Expedito, padroeiro dos aflitos e desesperados, principalmente os aflitos e desesperados com as prestações, o empréstimo bancário, a conta na farmácia, na padaria, no açougue, etc., etc.
Há também os santos nossos padroeiros por escolha (nossa ou de
nossos pais) a quem recorremos com freqüência. O meu é São Benedito, um tremendo boa praça que tem me valido diversas vezes sem nunca reclamar. “Meu São Benedito/é santo de preto/ele bebe cachaça/ele ronca no peito”.
É santo do povo, que bebe a bebida do povo e ronca no peito as canções do povo. E como, felizmente, somos um povo mestiço e herdamos o ritmo, a melodia, a poesia dos negros, somos alegres, festeiros, felizes. Tão felizes que já nascemos pensando em prazeres e confessamos isto com a maior cara de pau:
“QUANDO NASCI dei um grito:
Ai meu Deus! Jesus me mata,
Quando eu morrer
Quero ser enterrado
No colo de uma mulata!”
O colo de uma mulata, quer lugar melhor para passar a eternidade?
Mas voltemos ao assunto. Recentemente ganhamos uma Santa e ela fará parte desta bela seleção à qual agradeceremos por graças alcançadas ou, simplesmente, por nos terem dado exemplos de vida.
Rezo por todos mas, por via das dúvidas, ouço a voz do mestre Vinícius de Moraes: “Esses santos famosos andam cheio de pedidos e não têm tempo de atender a todo mundo. Arruma um santinho que ninguém conhece e reza pra ele. Como ele está desocupado vai te atender no ato. É tiro e queda!”.


